segunda-feira, 31 de março de 2008

Livro

Livro

As páginas daquele livro
foram rasgadas.
O que nele estava escrito
já não me agradava.
Por mim nunca foi lido
aquilo que eu esperava.
Não foi o que li,
mas o que não li
que me deixou irritada.
Não estavam lá
um amor romanesco
nem um cavaleiro picaresco.
Não tinha príncipe nem fada.
Aquelas frases deviam ser apagadas
e o livro jogado num fogueira.
Como pode um monte de folhas
trazer-me tanta tristeza?
Não havia palavras doces
nem poemas homéricos.
Auto, conto ou que fosse
um simples romance patético.
Se até fossem receitas
seria mais literário.
O livro que tanto me irrita
é apenas o meu diário...

31/08/06

Retrato imaginário

Retrato imaginário

Na minha fértil mente,
teu retrato imaginário,
idealização do que desejo:
tudo o que tu não és!
Conheço teus muitos defeitos
e sinceramente os aceito,
mesmo que eu não entenda
minha lógica ao revés.
Devia expurgar tua imagem,
apagar tua existência.
Mas não sou tão simples
quanto a meus intensos amores.
Um romance complicado
me enreda com tal agrado
que excita meus sentidos
provocando mil tremores.
A razão de gostar tanto
reside no extremo irracional.
Porque o melhor
nem sempre é o certo.
O certo é perdoar-te, esquecer-te,
afastar-te do pensamento.
O melhor é negar o perdão
para conservar-te por perto.

Lenita, 31/03/08

quinta-feira, 27 de março de 2008

Mãos mudas

Mãos mudas

As mãos, mudas.
Delas não saem nada.
Calaram-se de repente.
Não escrevem como antes.
Não escrevem...
O pensamento manda,
mas elas não obedecem.
Se recusam a empunhar a caneta,
a dedilhar o teclado.
Nem sequer uma palavra
elas riscam no papel.
Desiludiram-se decerto.
Perceberam que seu esforço
sempre foi em vão.
Nenhum par de olhos
aprecia seu trabalho.
Nenhum par de ouvidos
que escutar seus textos.
Nenhuma boca
recita seus versos.
Nenhuma mente
transformou-se com seus escritos.
Para que escrever,
se as mãos escrevem
e ninguém lê?
Abandonaram a escrita,
nem o papel as quer ouvir mais.
Pois elas falam pelas letras
que desenham.
Falavam, aliás.
Hoje, silenciosas, as mãos
se dedicam a outro ofício:
enxugar as lágrimas do escritor,
que chora por não mais conseguir
escrever...

14/03/06

Calar-me-ei...

Calar-me-ei...

Escrevo-te para dizer que te amo.
Não adianta escrever, eu sei.
As palavras já não são suficientes.
Como faço então?
Se os poemas já não rimam,
se as cartas já não falam,
se a fala já não diz...
Se de versos te fartei,
se de frases te cobri,
hoje inundo-te de silêncio.
O vazio do papel,
a afasia que vem da garganta
são a representação do indizível.
O sensível não precisa ser dito:
sintamos apenas!
Sentimentos calados,
palavras guardadas.
Rasgo o vocabulário,
pois nenhuma língua traduz
o tanto de amor que tenho:
imensuravelmente imenso.
Da minha boca,
somente beijos terás.
Emudeci, calei-me.
De minhas mãos,
apenas afagos.
Também as calei,
não escreverão mais.
Ouça o inaudível:
todos os sons silenciados.
Veja o invisível:
meus textos apagados.
Para dizer que te amo,
não entoarei uma só frase,
sequer alguma sílaba ou letra.
Aprendas a ler o meu olhar,
a escutar meu coração.
Direi tudo ao não falar nada.
Espero que, castrando minha voz
e tolhendo minha escrita,
possa eu mostar-te sem poemas,
cartas ou declarações,
que és meu
grande,
verdadeiro
e único
amor.

14/3/06

terça-feira, 25 de março de 2008

Teatro

Teatro

Sentimentos que rasgam,
transpassando a alma.
Pensamentos que destoam,
lembranças que atordoam,
ferida que não sara.
Felicidade ressentida,
desespero de uma vida
vivida sem pretensão,
pretensiosamente em vão.
Fingir sinceramente
é mais concreto que a verdade.
Não existe, simplesmente,
o que se crê realidade.
Obrigação de querer o inatingível
é a arte de ser outro,
é perceber-se morto
ao desvelar o invisível.
Se o nada cabe em tudo,
se o fim não acaba de fato,
o que é, então, o mundo
senão um imenso teatro?

25/7/06

Nada muda

Nada muda

Sem palavras,
permaneço muda.
Nada muda.
O tempo só passa
para quem é feliz.
Para quem é triste,
o tempo resiste,
insiste em retroagir.
O passado vem à tona,
abre a ferida novamente.
E quem sente a dor
de reviver a angústia,
custa a crer que existe
algo bom na vida.
Se é que existe vida...
Para quem sofre,
a vida é morte diária.
E cada vez mais,
quando se pensa em gritar,
a voz falha.
E quanto mais se tenta,
mais ela falta.
Um grito silencioso,
a fala sem som...
Segredando o que não é segredo,
não porque quer,
nem porque sente medo.
Mas porque não consegue
externar o incontentamento.
Engolida a seco,
Numa reviravolta,
A revolta se revira
E volta sem sucesso.
Já não adianta mais.
Acontece tudo outra vez...
As lembranças vêm torturar.
O cotidiano se repete,
rotineiramente insuportável.
Neste vício de ser vicioso,
o tempo retorna para lembrar
que permaneço muda.
Nada muda.


Lenita, 20/08/06

domingo, 23 de março de 2008

Carta

Carta

Doce alento
trazido pelo tempo,
levado pelo vento,
esquecido por esquecimento...
Sons ecoados pela vida,
deixados na triste partida.
Lembrança daquele presente
onde presença era constante
e agora se faz tão distante,
que saudade é o que sente.
Ficou pelo menos a carta,
o desenho daquela letra.
As palavras se tornam aladas
e vão acalentar a alma
dissipando a grande nostalgia.
Reinventam toda a poesia,
transformando de vez a poética,
fazendo a rima desnecessária,
realizando a beleza imaginária,
recontando qualquer métrica,
desprendendo-se da retórica,
desfigurando a figura estética.
E é apenas um pedaço de papel...
A caneta fez-se pincel
e usou todas as invisíveis cores
para pintar de diversos sabores
a memória que passa em telas.
Quando lida, a carta revela
certezas duvidosas do amor,
diz que o perfume não vem da flor,
mas do sonho não concretizado,
que deixa rastros para ser alcançado.

Lenita, 26/7/06

quinta-feira, 20 de março de 2008

Noite

A noite


A noite é uma eternidade.
São horas infindáveis
que produzem saudade.
A insônia me faz escrever.
Sonho acordada
só de pensar em você.
Tento dormir,
mas a ansiedade não permite,
o sono insiste em não vir.
Daqui a pouco amanhece...
Logo, logo o breu se vai.
Ao longe, a lua fenece.
Seu brilho aos poucos se esvai.
As estrelas vão se apagando.
A manhã enfim está chegando,
trazendo consigo meu sono perdido.
Mas não posso descansar.
Devo levantar e sorrir,
já que o sol decidiu se iluminar.
O dia, por mais longo que seja,
não é tão grande quanto a noite.
O dia consente que eu te veja,
mas a noite de mim te esconde.
Quando o ocaso se apresenta,
sei que é hora de despedida,
enfim é o fim do dia.
E o início de minha tormenta...
A lua renasce,
as estrelas reacendem,
a noite ressurge.
Em busca de sono e de sonhos,
minha saga recomeça.
O tempo se arrasta pela madrugada,
como se não tivesse pressa.
Continuo acordada, pensando em você.
Novamente, somente me resta escrever.
Será mais uma noite interminável,
que algum dia vai terminar.
Terminará quando vier o dia.
E quando meu sono então começar...

Lenita,13/7/06

segunda-feira, 17 de março de 2008

Érato, a amável

Érato, a amável

Sou Érato, meu poeta,
a musa que te inspira .
Sei que me desejas,
mas a mim nunca terás!
Beleza que ofusca teu olhar,
mas atiça tua imaginação,
aclara o teu pensar
e governa tua ação.
Sou a amável, a lírica,
a própria poesia que me rendes.
Fazes poemas de amor e de guerra...
Escreves, depois te arrependes!
Amor, porque me queres.
Guerra, pois não me tens.
Eu sou de todos os poetas,
sem sequer ser de alguém.

domingo, 16 de março de 2008

Lua

Olhe pela janela.
Ela está ali, tão bela.
Parece nua e tão tua...
Pois, pra mim, a lua
é um presente que te dei.
E nessas noites enluaradas,
eternas madrugadas,
somente silêncio esquecido
aquece o coração partido
e faz de ti um rei.
Rei lunar e lunático,
ávido, viril, catártico.
Senhor da lua, mas não de si.
O brilho que nela acendi
te atrai, como o mar que a trai
com o sol de luz cálida,
invejoso da lua pálida.
Se dela tudo sabes,
a lua sabe o que não cabe
e então ela se vai...

quinta-feira, 13 de março de 2008

Vertigem sonora (título provisório)

Vertigem sonora

Vertigem sonora assola meu lar.
O ar propaga frases libidinosas,
um outro jeito de incomodar.
A melodia profana, profusa,
dilatando meus tímpanos,
ecoa leve, um sopro, confusa.
Já não sei mais distinguir
se é o som do livre vento
ou da voz que vem de mim.

Lenita,05/03/08

sábado, 8 de março de 2008

Escrevi mas não mandei

Escrevi mas não mandei

Escrevi um poema pra você,
mas não tive coragem
de entregá-lo quando o fiz.
Pensei em apagá-lo,
rasgá-lo, em dar um fim!
Não podia deixar vestígios
do sentimento sem sentido
que é sentido por mim.
Mas tem coisas que
são simplesmente indeléveis.
Mesmo que o poema
desaparecesse de vez,
ainda estaria escrito aqui
na minha mente confusa,
no meu coração afoito.
Aflita, o guardei sem medo
num lugar escondido,
onde ninguém poderá achá-lo.
E lá, juntamente a ele,
está meu amor repentino,
não por isso menor
nem menos verdadeiro.
Você não sabe nada
além do que eu disser.
Não sabe as palavras
que eu nele utilizei
nem a forma, nem a rima
Você não sabe um verso,
talvez nunca saberá!
Apesar disso, sabe que escrevi.
Escrevi, mas não mandei...

Lenita, 08/03/08

Érato


Érato, a Amável, foi uma das nove musas da mitologia grega. Filha de Zeus e Mnemósine.
Era a musa da poesia lírica, representada com uma lira, e dos hinos.
Teve com Arcas o filho Azan. É representada com uma lira e por vezes com uma coroa de rosas
.

Fonte: Wikipedia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Erato)